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12.24.2010

Morangos e Amoras

 Andando pelas ruas dessa cidade, a neve batia em meu rosto. As lojas estavam impossíveis de entrar, imaginem sair. Quem entrava, não saía tão cedo. As ruas movimentadas, as pessoas apressadas, com uma expressão mal-humorada. Nem as crianças estavam felizes, sendo que não podiam ver os brinquedos que queriam, pois eram praticamente arrastadas pelos pais. O trânsito simplesmente caótico, a cidade ao som de buzinas e palavrões. A beleza dos enfeites da cidade se desfaziam com o clima desagradável de humor das pessoas. Isso porque é véspera de natal.
Como não tenho família, e nem amigos, o que vim fazer aqui foi rápido, e já me encaminho para casa. A pé, é claro, detesto trânsito. E também porque gosto de andar, olhar para as pessoas, para o ambiente, olhar o clima. Sou um observador.
Caminho para casa, o vento gélido bate em meu rosto, enrugando-o como se fosse uva passa. Algum tempo se passou e saio da multidão do centro, e ando pelas ruas quase desertas do meu humilde bairro. Um gato passeia sobre um dos muros de uma casa, nao sei a cor exata dele. Aliás, eu diria que era branco, devido a quantidade de neve que estava nele. 
Esse lado da cidade estava tranqüilo. Podia-se ouvir até o som do vento. Meus sapatos afofavam a neve, fazendo um barulho como se estivesse andando de pantufas. Continuei meu caminho, chegando em frente a minha casa. Parei em frente a porta, para procurar a chave. Lembrei: havia deixado com a vizinha. Ela tem uma filha, de uns sete anos, uma gracinha. Ótimas vizinhas, as vezes deixo a chave com elas, caso elas precisem de algo que possuo. Bati em sua porta, a mãe abriu:
"Já de volta, vejo que não comprou quase nada. Hum.. aqui está sua chave. Tenha um ótimo natal!"
Pude ver Sabrina, a menininha, na sala, rindo para mim de um jeito que não entendi. Parecia ter aprontado alguma.
Bom, voltei, abri a porta e algo entrou em minha casa, algo branco se movimentando. Só agora percebi que o gato havia me seguido. Até que não achei ruim, seria bom passar o natal com um gato, quero dizer, com um bicho que vai ficar deitado e ronronando no sofá.
Coloquei a lasanha e o vinho que havia comprado na geladeria. Gosto dos vinhos gelados, detesto aquela sensação quente quando o vinho desce a garganta.  Havia muito tempo até o horário da ceia, então decidi descansar. Já deitado, veio o gato e se deitou ao meu lado. Adormecemos.
Acordei quase na hora de ceiar. O preguiçoso ainda dormia ao meu lado. Fui esquentar a lasanha e fazer a mesa. Aproveitei para olhar a rua pela janela. Havia luzes em todas as casa, só restava um buraco negro na minha, como se fosse um falha nessa rua que parecia exalar alegria com seus enfeites. Decidi ligar as luzes da minha árvore. É, eu montei uma árvore de natal, com bolinhas, enfeites, neve falsa e até o presépio. Quando acendi, vi algo sob suas folhagens. Havia uma caixa, uma caixa que não deveria estar ali. Peguei-a e vi: havia meu nome, em letras desregulares e coloridas. Sentei no sofá, abri a caixa. Havia uma torta dentro, feita em casa. Sorri para mim mesmo, sahia de quem era: Sabrina. Coloquei na mesa. Comecei a ceiar.
Como não sabia o que dar para o gato, dei um pouco da minha comida. Aliás, era natal, ele merecia algo especial. O vinho estava delicioso, combinava com o dia frio e descia gélido a garganta. Muito bom! E, de sobremesa, o presente! 
A torta estava meio 'torta', o que percebi que fora feito com aquelas mãozinhas. Fiquei olhando, abobado, até que tive coragem e levantei da cadeira. Chamei o bichano, com a torta nas mãos, o vinho na outro, e me dirigi à casa da vizinha. Toquei a campanhia, receioso de haver outras companhias. Quando Sarah atendeu, pude ver que só havia ela e a filha na casa.
"O que deseja a essa hora? Não fale, entre, está um gelo aí fora"
Entrei, com vergonha. Sentia-me invadindo o espaço alheio, ainda mais na noite de natal. Ela me levou à cozinha, onde deixei repousar a torta e o vinho sobre a mesa. De repente, alguém me abraça por trás. "Feliz Natal", ouço, e ela me abraça forte nas pernas.
"Feliz Natal para você também Sabrina! Agradeço muito pelo presente. Não gostaria de comê-lo comigo", me virei para Sarah, "se sua mãe não importar, claro".
Sarah fez um gesto e pegou três pratos, nos quais depositei uma fatia da torta. 
"Claro que não estou esquecendo de você! Por acaso você tem um prato menor, Sarah?", ela pegou e depositei um pouco de torta para o bichano. A torta era recheada de morangos e amoras, com um delicioso creme dessas frutas. Pude reparar Sarah comendo, deixando um pouco do creme vermelho no canto dos lábios. Ela reparou em mim e, atrevo-me a dizer, sensualmente passou a língua nos lábios, limpando-os.
Comemos nós quatro, sem conversar. Tive a brilhante idéia de ir e oferecer a torta, mas não sabia o que falar. Acabamos de comer, e arrisquei falar:
"E você, Sabrina, recebeu o presente do Papai Noel?"
"Recebi sim, muito obrigada! Eu queria mesmo aqueles patins!", virou para sua mãe, "Ele ainda acredita no Papai Noel?"
Sarah ficou um pouco desconcertada, mas eu comecei a rir. Sabrina desceu e saiu da cozinha, dizendo que já voltava. O silêncio, então, retomou o lugar, exceto pelo ronronar do gato. Até que olhei para Sarah: ela estava olhando para mim, com um sorriso nos lábios. Fiquei olhando para ela e, sem saber o porquê, comecei a sorrir. Até que Sabrina volta à cozinha, com os patins que eu dei nos pés, patinando em volta da mesa. Sarah abriu o maior sorriso do mundo, achando muito engraçado e brincando com a filha. De alguma forma, me senti bem com aquilo. Mas Sabrina estava com sono e pediu para deitar. Até me deu um beijo de boa noite! Boa menina. 
Ficamos a sós, Sarah e eu. 
"Ainda sobrou o vinho, não?", ela disse para mim, e fiz um gesto afirmativo, "Que tal uma taça?"
Ela pegou duas taças e eu despejei o vinho nelas. Bebemos, e ela se levantou e me deu um beijo que me deixou ofegante. Puxando-me pela camisa, me levou até seu quarto:
"Quero agradecer o que tem feito pela gente e o que fez por minha filha esse natal"
Sim, a noite de natal foi boa. Foi A noite de natal. Acordei de manhã, antes das duas acordarem. Peguei minha roupa espalhada pelo quarto e me vesti, me dirigindo para a sala. Chamei o bichano e saimos. Pela cara dele, eu sabia que ele pensava o mesmo que eu: o lugar onde passaríamos o ano novo. E que lugar!

Douglas Mateus

4 comentários:

  1. Bem legal o texto, parece até filme de natal! Pena que eu não veja o natal com esses olhos! Mas isto não tira o mérito do texto!
    Parabéns!
    um abraço!!

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  2. Tai ai um natal versatil e diferente...


    postei um texto novo e gostaria da sua opinião.

    ...obrigado pelos comentarios e volte quando quiser.

    seguindo

    http;//universovonserran.blogspot.com

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  3. Tai ai um natal versatil e diferente... [2]
    Que delicia de torta, auhahauhuah

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