Jonas Portdant era um homem de meia idade, os cabelos começaram a ficar brancos, a testa começara a franzir naturalmente. Vivia numa casa modesta, de coisas necessárias, nada extravagante. Não significa que era pobre, pelo contrário, tinha de tudo, de tudo o necessário.
Em sua infância, passara muito tempo com a avó, e ela o ensinou a tocar piano. Passavam longas tardes discutindo as notas musicais e tocando as melodias produzidas por aquele belo instrumento. Em sua adolescência, foi servir o exército. Foi creditado como um dos melhores soldados, devido a seus diversos feitios. Não era casado, não tinha filhos, era solteiro e, digamos, sua esposa era a vida.
Estava de viagem agora, em Silveland, uma cidade famosa pela sua mostra de arte. Passeava pelo museu de música, junto com um grupo de pessoas. Quando o guia os liberou para explorar o museu à vontade, o grupo se dissipou.
Jonas entrava nas salas, sempre admirando os instrumentos: violinos, violões, saxofones e muitos outros. Entrava em uma sala por uma porta, e saía dela por outra. Nunca voltava, e isso foi o levando sempre a salas diferentes. Passou algumas portas (que eram todas de madeira, mas havia sempre um desenho prata de notas musicais) e o barulho das pessoas havia diminuído, parecia que estava se distanciando delas. Na sala em que estava, observava cuidadosamente uma cítara. Após a análise do objeto, se encaminhou para a outra porta.
Era uma porta diferente, as notas eram douradas, a porta era vermelho camurça e a maçaneta lembrava uma tecla de piano. Curioso, entrou.
A sala era pouco iluminada, mas não reduzia sua beleza. As paredes eram diferentes, pareciam estruturas de Roma. Haviam castiçais, de um metro, na sala. Eram duas filas de castiçais, formando uma espécie de corredor. Ele caminhava, admirando os castiçais, com as velas, até que viu, no final desse 'corredor', um piano.
Lembrando-se de sua infância, a saudade da avó, as tardes tocando piano, olhou para os lados. A sala estava totalmente deserta. "Não há nenhum mal em tocar uma música", pensou, mas o medo de as pessoas ouvirem o som o deteve. Pensou mais um pouco, "Não ouço mais as pessoas, nem os guardas. Não devem conseguir me ouvir também". Pensando isso, sentou-se no banco vermelho camurça, pousou as mãos sobre as teclas do piano, e começou a tocar.
Começou com uma música suave, mas lhe deu vontade de tocar algo melhor. Aos poucos, sua música se aproximava de melodias sombrias, sua vontade de tocar aumentava e não conseguia parar. Seu olhos, estavam vidrados e não tinha mais controle de suas mãos, apenas tocava aquela melodia sombria, de aterrorizar qualquer corpo humano.
De repente, as velas foram acesas. Todo o 'corredor' estava agora iluminado. Aos poucos, a tampa do piano subia, até ficar na posição vertical. Em sua superfície, começava a aparecer uma moldura, parecendo um quadro na tampa do piano, mas sem nenhuma figura. E Jonas continuava a melodia.
Dentro da moldura, apareceu a figura de um jovem, com farda, um jovem do exército. Ele estava em uma cadeira, amarrado e todo machucado. Aparece outra pessoa na cena. Falava alguma coisa para o jovem, que não respondia, e começou a bater no prisioneiro. Viu aquela cena por uns minutos. O agressor, não satisfeito, pegou um de seus instrumentos e começou a torturar o jovem. Jonas estava espantado, seus olhos estava totalmente abertos e a expressão de medo era clara em seu rosto. Após acabar com o jovem, eis que surge outra cena:
Dois homens estavam em uma guerra, em alguma cidade. Sobreviviam como podiam, roubando alimentos das casas que atacavam. Em uma certa casa, encontraram não apenas comida, mas uma mulher. Um olhou para o outro, via-se o sorriso maligno. Seguraram a mulher, arrancaram-lhe a roupa e se aproveitaram dela, da forma mais selvagem. Enquanto isso, batiam em seu rosto, em seu corpo. Revesaram, até cansarem e matá-la.
As cenas continuavam sendo exibidas, cenas de mesmo porte. A expressão de Jonas agora era de pavor. Suava frio, suas mãos estavam trêmulas e, mesmo assim, continuava tocando a melodia, que combinava com as cenas reproduzidas. "Como? Como?", gagejava, "Como alguém conseguiu esses vídeos? Não havia mais ninguém nos locais, a não ser as pessoas que foram mostradas. Como alguém conseguiu isso?". O pavor era imenso, alguém sabia de sua fase no exército. Pensava a mesma coisa, desesperado. Até que as cenas pararam de ser exibidas...
Jonas conseguiu parar de tocar um pouco. Estava atordoado. A moldura, lentamente, desaparecia da tampa do piano. E ele começou a tocar de novo. Agora, uma música sombria, mas agitada. Ele tentava parar, mas não controlava suas mãos, e não conseguia se levantar. De dentro do piano, saíram as cordas, envolvendo o corpo de Jonas. Braços, pernas, peito, pescoço, rosto, todos envolvidos. As cordas apertavam de modo a expremê-lo. E ele não parava de tocar.
As cordas pareciam afiadas. Apertavam cada vez mais, e começaram a cortar seu corpo. O sangue escorria, e as cordas cortaram a carne, chegando no osso. Seu rosto estava todo vermelho, seus olhos sangravam e ele gritava de dor, mas não parava de tocar. Até que.. seu corpo foi totalmente dilacerado pelas cordas. Elas cortaram seus ossos, cortando todo o corpo de Jonas. Seus pedaços estava estirados ao chão, numa poça vermelha, que combinava com o vermelho camurça do banco. A melodia acabou, mas suas mãos ainda repousavam sobre as teclas do piano. O sangue delas escorria por entre as teclas, as cordas voltaram para dentro do piano.
Não havia mancha de sangue no piano, ele havia se alimentado. Lentamente, a tampa do piano fechou e as chamas das velas foram sendo apagadas, duas a duas, até a sala voltar a tímida claridade de antes.
Lindo!
ResponderExcluirLindo, não. Apavorante, mas delicioso de ser devorado. Parabéns pelo texto. Muito bom!
ResponderExcluirhttp://alma-feminina.blogspot.com/
Gostei da dualidade, dos anseios...
ResponderExcluirMas tudo muito leve.
Adoro ler algo que seja leve de se ler, intenso de se sentir!
;D
Mto Lindo!
ResponderExcluirNão sei se a analogia realmente foi algo pensado ou uma consequência que coincidiu com o objetivo da história ou as diferentes conclusões que se pode obter, mas gostei.
ResponderExcluirSim, realmente um bom texto.
se puder, me visite.
Abraçoss
Oii tem um selo para vc no meu blog...
ResponderExcluirBeijos!!
http://entrelinnhas.blogspot.com/
Mtt bom! *---*
ResponderExcluirUau!
ResponderExcluirMorto por suas lembranças, num doce solo de música da infância. Vovó deve estar num misto de horror e alegria: tocas mui bem!
Abs,
Fernando Piovezam
seuanonimo.blogspot.com
Que história sombria! Mas é bem feito pro cara!!! As memórias cobraram eu preço! Parabéns pelo jeito de escrever, prende a atenção! Abraço!
ResponderExcluirVou seguir teu blog!
www.brincandodefazerpiada.blogspot.com
Blog de humor ácido, divirta-se!
post novo todo sábado!
O texto é fantástico. Criativo. Super bem escrito. Parabéns por tudo nele: você definitivamente é um escritor, não um blogueiro.
ResponderExcluirAbraços e continue escrevendo. Por favor.
Cara, muito bom.
ResponderExcluirMe prendeu, isso é raro!
Parabéns!!
:)
Poxa, Matt! Fiquei com medo... acho que não vou mais tocar piano. Maravilhoso, vc sempre se superando!! Bjos.
ResponderExcluirNossa, medonho... muito bom.
ResponderExcluirOlá, Mateus! Fico muito feliz quando consigo encontrar na blogosfera alguém que faz literatura de verdade (acho que é seu caso). Um conto forte, contruído nas sutileza de seus símbolos, com um quê de fantástico. Muito bom mesmo, boa sorte nessa vida cruel de escritor.
ResponderExcluirGrande abraço!!!
^^