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9.29.2010

Profissionalismo - Parte I



O alarme estava soando. Os garotos e garotas estavam agitados, gritando e batendo coisas nas portas de seus dormitórios. Os policiais estavam alertas, procurando em cada canto do alojamento. Conseguiriam nos achar? É claro que não. Me livrei de alguns, somente os que poderiam nos denunciar. Saímos por onde entramos: pela entrada principal. Lá dentro estava o caos, mas aqui fora, eu caminhava com ela em direção ao carro. Deixei ela entrar no banco traseiro, no qual ela preferiu deitar. Parecia um anjo, aquela criança. Comecei a dirigir, saindo daquela casa, agora, cheia de luzes. Eles procurariam até o amanhecer, pensei sorrindo e segui o caminho de casa.
Alguns anos se passaram e ingressei na faculdade. Esqueci de dizer, mas acabei de sair da adolescência. Mas, como qualquer um, ainda não era adulto. Mesmo assim, não era muito sociável. Digamos que sempre estava sozinho fazendo meus deveres. Não pensava muito em amigos, até porque já tinha o suficiente, e também minha profissão não me permitia envolver muito com as pessoas.
Certo dia, recebi uma carta: "Festa na Galeria Psicodélica. Várias pessoas estarão lá, você sabe. Vamos?". Telefonei para um amigo, que também é colega de trabalho. Perguntei se ele estaria livre e se poderíamos ir, e conversamos um pouco. Ele entendeu e concordou. Sentei em frente ao computador, havia recebido um email. Havia uma lista contendo os nomes de algumas pessoas que lá estariam. Respirei fundo. Eu teria que me arrumar, não é todo dia que temos uma festa dessas. E tudo deveria sair como o planejado. Desliguei o computador e fui dormir. O dia chegaria logo.

Douglas Mateus

9.23.2010

A garota que perdeu a inocência



Seus olhos estavam inchados
Seu corpo tremia
Medo? Ódio? Não sabia...

Segurava uma faca
Sua lâmina brilhava
Via seu reflexo no espelho metálico
Via aqueles olhos vermelhos e inchados

Um clarão veio em sua mente
Virou o rosto
Lembrou-se daquela vez
Sim, daquela vez, com o seu tio
Alguns a chamariam de puta
de piranha e vários nomes mais
Mas só ela sabia a verdade
Ela e ele...

Tão inocente, sozinha em casa
Recebe a visita dele,
que diz querer esperar pelos pais dela
Com o corpo de anjo
Pureza divina
e a inocência de uma criança
Sozinha em casa...

Fechou os olhos
As mãos cerradas fortemente
suas unhas perfuravam a carne
Segurava a faca firmemente

Se dirigiu à janela
Pôde ver seu corpo no vidro
Aquele corpo
lindo e formoso
Violado por um demônio

As lágrimas escorriam
Enquanto via o carro dele chegar
Sozinha de novo em casa


Às gritarias, ela foi imobilizada
O corte que conseguira fazer nele
Não foi profundo o suficiente
Ele era muito forte

Houve um momento de distração
Ela correu e pegou a faca
Sabia que não conseguiria se livrar dele
Então se livrou de si mesma

O corte no pescoço
O sangue escorrendo
O mundo indo embora
Ela estava chorando

Lágrimas vermelhas
Lágrimas de ódio
Lágrimas de tristeza
Lágrimas de fogo
As lágrimas de seu prório sangue
Denegrido por um demônio

O brilho de seus olhos
Fora tomado por um abismo
Um abismo de escuridão
Onde caíra sua inocência

9.22.2010

Histórias de Roberta - O sonho



Roberta bocejava em frente ao computador. Claro, já eram duas da manhã! Ficara jogando a noite toda, conversando com os amigos pela internet. Espreguiçou, desligou o computador e foi para a cama. Deitou a cabeça no travesseiro e ficou pensando por alguns segundos. Esticou o braço, desligou a luz do abajur e fechou os olhos. Estava cansada. Como um jogo pode cansar tanto uma pessoa?
Não demorou muito e Roberta acordou. Estava em meio de uma névoa, uma neblina, não sabia explicar, só sabia que não conseguia ver quase nada. Estava frio e, com muito esforço, ela viu um vulto na frente. Não conseguiu identificar o que era, mas decidiu ir em direção àquilo. Aos poucos, o borrão cinza começou a tomar forma, a qual ela conseguiu identificar como uma estátua: um gárgula. Por que uma estátua estaria no meio do nada? Nada foi o termo que ela conseguiu identificar aquele lugar. Ela estava no nada.
Fitou a estátua por alguns segundos: o gárgula estava agachado, com uma das mãos no queixo, a outra no chão, e suas asas o encobriam. Roberta chegou mais perto...
AH!!... Roberta gritou quando as asas do gárgula se abriram. Aquela estatua começou a ganhar vida e, aos poucos, o corpo feito de pedra foi se transformando em carne, ossos e o que mais que um gárgula tem. Ele a observou por um momento, chegou perto dela, seus rostos estavam bem próximos. Aqueles olhos vermelhos, com pupila de gato, olhavam para os dela. Ela, com a expressão indignada, quebra o clima:
"Que susto você me deu! É para isso que você fica aí, sentado? Para ficar assustando todo mundo que passa?"
"Insolente! Sabe quem eu sou para falar dessa maneira?"
"Quem você é, eu não sei. Mas você é uma 'coisa' que está se mexendo e me assustou. Audácia!"
"Me chamou de 'coisa'. Audácia sua! Garota atrevida."
Roberta viu, pela expressão do gárgula, que o havia ofendido.
"Qual é seu nome?"
"Gregory é meu nome. E você deve ser Roberta."
"Sou sim. Olha, por acaso você sabe que lugar é esse?"
"É o lugar onde eu assusto criancinhas  iguais a você" - Gregory disse, soltando uma risada debochada.
"Você está fazendo hora com a minha cara?"
"Eu?! Não, claro que não. Isso eu já fiz. Hahahaha" - Roberta estava ficando irritada e Gregory estava se divertindo. - "Hahaha, faz tempo que não me divirto com um trouxa."
"Quem é trouxa?! Espera um pouco... quanto tempo está aqui, sem ninguém?"
"Dez anos. "
"Não é à toa que é tão chato! O que você faz aqui, ficando sentado todo esse tempo?"
"Eu guardo o castelo escondido de Thorpe!" - Disse Gregory, com extrema importância.
"Sério?" - Roberta mudara de expressão, estava ansiosa para ver o castelo - "E onde é que fica?"
"O quê?"
"Como o quê? O castelo!"
"Não sei!"
Roberta parou, ficou nervosa de novo.
"Olha, não vem fazer hora com a minha cara de novo! Se não quiser me falar, não precisa me fazer de trouxa." - ela cruzou as mãos e virou o rosto de lado.
"Fazendo-te de trouxa? Não acreditas em mim?"
"Claro que acredito!" - ela ironizou - "Você está aqui há dez anos protegendo um castelo, e não sabe onde ele está?"
"Não." - ele falou com a maior simplicidade do mundo.
"Como assim?" - ela estava realmente irritada.
"Não falei que ele estava escondido?"
"E você não sabe onde ele está escondido?"
"Se soubesse, não estaria escondido"
"Está bom. Chega dessa pergunta. Por que você está de guarda?"
"Thorpe me mandou."
"Só isso?"
"Você é muito curiosa e está ficando chata. Vou contar tudo de uma vez. Eu estava brincando com Thorpe. Fizemos uma aposta: ele esconderia seu castelo, se eu achasse, poderia morar nele, se não..."
"Se não...?"
"Ele não havia me dito, mas aceitei a aposta. Enfim, não consegui achar e ele me disse o que aconteceria se eu perdesse. E aqui estou eu!"
Roberta, perplexa com a história, olhava para Gregory. Ele ficou incomodado por ela não falar nada e...
"Não vai falar nada?"
"Você..." - ela segurava uma risada - "... é um trouxa! Está protegendo um castelo que nem você sabe onde está por causa de uma aposta. Hahahaha..."
Gregory a olhou, irritado, e esbravejou:
"Como ousa me chamar de trouxa. Eu sou um gárgula de palavra!"
"É... trouxa!"
Gregory abriu as asas ao máximo, soltou um grito ensurdecedor, e fechou as asas. Toda a névoa envolveu Roberta e ela não conseguia mais ver Gregory. 
Tudo estava branco. Até que começou a aparecer uma imagem à sua frente. Piscou os olhos e viu o teto de seu quarto. O sol já estava no céu e iluminava todo o quarto. Passou a mão pelos cabelos longos, se levantou e pensou: "Acho que vou começar a dormir mais cedo..."

Douglas Mateus

9.20.2010

O Inferno



Ando pelo meu caminho pecaminoso
Tantas coisas que fiz...
No final, encontro um buraco
Será para o centro da Terra?

Pego minha corda, e começo a descer
Minha pele é cortada por algo afiado
Pedras laminares, raras e valiosas
Será que valem o sangue que escorre de mim?

Chego a uma caverna, alguns ossos no caminho
morreram de fome?
Olho para o fim, uma luz vermelha
Será essa a luz no fim do túnel?

Atravesso a luz e vejo corpos em chamas
andando e gritando,
pulando e rolando no chão, em brasas
Será uma festa sado-masoquista?

Continuo a andar e vejo um ser,
com um tridente e dizendo que estava me esperando
Olho para sua cabeça, e não resisto...
"Sua esposa vai bem?"

Irritado, lança o tridente em mim, perfurando-me,
"Esse é o seu destino... pecador!"
Olho para ele, e não resisto novamente...
"Sua mãe vai bem?"

Irado, me lança aos quintos dos infernos
e grito: "Não podia ter usado o elevador?"
E vou pagar minha dívida
eternamente, no centro da terra

9.16.2010

A Fotografia



Sentado no meu quarto, olho para você
Toda beleza retratada naquela imagem, em um quadro de madeira
Olho para a janela e imagino onde você esteja
Indo e vindo nessa paisagem incompleta
Volto a olhar para você, mas a paisagem sumiu,
e sobrou você no papel branco delimitado pelo compensado
Sorrio, talvez loucamente, e fecho os olhos,
pensando ser você a razão do meu estado
Olho pela janela, um pássaro negro corta o céu nublado
Volto a olhar-te, mas não está mais lá
Somente o papel branco insignificante retido na madeira
O simples vazio de querer o que não se pode ter
E é assim que você me faz sofrer

9.14.2010

Fama



Subo as escadas douradas
Minhas poses são motivo de flash
Todos me aplaudem..

Uma mão surge do nada
Uma mão enorme e dourada
e me esmaga nas escadas
Olho em volta
e já não tenho mais nada

Douglas Mateus

9.08.2010

O Piano Maldito - Parte Final - Joe Loringer



A família Loringer era formada por quatro pessoas: Sr. Loringer, Sra. Loringer e seus pequenos filhos Joe e Vanessa. Vanessa tinha cinco anos e adorava brincar, como qualquer criança. Já Joe tinha 9 anos, era estudioso e adorava tocar piano. Quando tinha cinco anos, entrou em uma escola de música. Seus pais haviam notado o interessse do filho pelo pianinho que deram à ele de aniversário, e resolveram 'apostar'. Julia, sua professora, lhe ensinou a tocar piano. Ela era alta, bonita, cabelos anelados e tinha a voz maravilhosa. Digamos que isso ajudou o pequeno Joe, gostava muito da professora. Quando sua avó morreu, ele tinha 7 anos e, no funeral, foi ele quem tocou a marcha fúnebre. De certa forma, isso o ajudou a superar a perda. Atualmente, ele toca Mozart e Beethoven e é o melhor aluno de música.
Mas hoje é feriado! E a família Loringer decidiu passear pelo museu de música, a pedido de Joe. Os quatro entraram pela porta principal, Joe olhava bem os instrumentos e Vanessa, segurando sua linda boneca de cabelos castanhos, tentava tocá-los. "Não encoste em nada, menina", Sr. Loringer disse. Um guarda se aproximou ao ver a menina. 
"Vejo que a senhorita quer tocar algo, não é?" - Vanessa acenou timidamente com a cabeça - "Venham, bem ali tem alguns instrumentos que você pode tocar."
A família Loringer se dirigia ao local, mas Joe queria explorar mais o museu. "Vou ver mais alguns instrumentos pai", disse. Com a autorização do pai, Joe se afastou. Via cada um com interesse, gostava dos instrumentos, mas não podia esperar para ver um piano! Ele era simplesmente fascinado por piano. Qualquer garoto da idade dele estaria jogando video-game, mas ele não. Olhou bem a sala, e concluiu que não havia nenhum piano ali. Olhou para os pais e Vanessa, eles estavam se divertindo e distraídos, nem notariam a falta dele por alguns minutos, pensou. Então, decidiu atravessar uma das portas.
Na nova sala, viu um clarinete e uma flauta. Não satisfeito, passou para outra sala. Um violão e um violino. Passou para outra. Não estava interessado em mais nenhum objeto. Passava por eles e sua vontade de ver um piano aumentava. Passava pelas portas, sem voltar, até que viu uma porta diferente: havia notas douradas desenhadas em sua superfície, a porta era vermelho camurça e a maçaneta lembrava uma tecla de piano. Esperançoso, entrou.
A sala era mal iluminada. Caminhou um pouco e reparou que havia duas fileiras de castiçais, castiçais de um metro. Aquela sala lhe dava medo, mas decidiu caminhar mais um pouco. Ao passar entre o primeiro par de castiçais, as velas se acenderam, em um fogo verde. Ele rapidamente se virou e viu as velas. Com medo deu alguns passos para trás, passando pelo segundo par. Esses também acenderam. Seu medo aumentou e começou a correr e, a medida que passava pelo 'corredor', as velas acendiam. Até que bateu a perna em algo, quase caindo. Se segurou em algo que lembrava uma mesa. Olhou bem, seus olhos brilharam. Acabava de ver um magnífico piano. Havia batido a perna no banco, em frente ao piano. Como mágica, seu medo se foi.
Sentou-se no banco, era um pouco pequeno para ele. Incrivelmente, o banco começou a subir, deixando o garoto em uma altura ideal para tocar. Sua emoção era tanta que não ligou, e começou a tocar a 9ª Sinfonia de Beethoven. A música preenchia a sala, a luz verde iluminava totalmente o lugar. Joe olhou em volta, e viu a beleza das paredes, pareciam estruturas de Roma. Olhou para cima, o teto parecia esculpido: havia um anjo e um demônio, um de costas para o outro, suas expressões eram semelhantes: pareciam esperar algo. Joe voltou a olhar para o piano e continuou a tocar a melodia.
Lentamente, a tampa do piano foi tomando a posição vertical. Isso assustou Joe, que parou de tocar. Joe não tinha forças para sair, ficou paralizado de medo, e a moldura apareceu no piano. Dentro dela, foi mostrada a imagem de Julia, sua professora.
Joe olhou bem os olhos dela, sentia uma imensa ternura emanando de sua imagem. Isso o acalmou. A professora começou a cantar: 

"Freude, schöner Götterfunken
Tochter aus Elysium,
Wir betreten feuertrunken,
Himmlische, dein Heiligtum!..."

Joe entendeu a mensagem dela, e voltou a tocar a sinfonia. O ambiente agora estava delirante, a melodia de Beethoven tocada por Joe e cantada por Julia. Ele estava tão alegre e distraído que não percebeu que as cordas do piano lentamente saíam. Uma das cordas acariciaram o rosto de Joe, que soltou um grito. "Não tenha medo", disse a professora sorrindo, "continue tocando", e ela voltou a cantar. Joe obedeceu. 
As cordas arrastaram os castiçais e os colocaram em volta do garoto e do piano, formando um círculo. A luz verde deixava o ambiente maravilhoso, e Joe olhou para cima. O demônio tinha uma expressão de raiva, e o anjo estava sorrindo. Podia jurar que ouviu o anjo dizendo ao demônio: "Viu? O mundo não é só trevas. Uma alma pura como essa merece a vida". Joe agora estava sem medo, e tocava com todo o coração, vendo sua professora cantar. Quando a música terminou, a professora disse "Obrigada!", e sumiu. A moldura desapareceu. As cordas do piano arrastaram os castiçais, formando um corredor. Mas esse, agora, indicava o caminho para uma porta. O fogo ainda emanava sua luz verde, o banco pousou no chão e as cordas apontavam a direção do corredor. Joe olhou para trás e sorriu para o piano. Algumas cordas o empurraram gentilmente para a saída. O garoto abriu a porta e, antes de sair olhou o piano de novo e disse "tchau". Seus olhos brilhavam e pensava: acabara de passar o melhor momento de sua vida. Joe saiu.
O piano recolocou os castiçais no lugar, formando o típico corredor, e recolheu suas cordas. As velas foram apagadas, e a sala voltou a monotonicidade de sempre.

Esse é o último caso que conto sobre tal piano e deixo uma pergunta a vocês: seria mesmo o piano... maldito?

Douglas Mateus

9.06.2010

O Piano Maldito - Parte II - Emilia Scroldger



Enfermeira, acima de tudo. Não se importava muito em ser mulher, em ser vizinha, em ser amante, o que importava era ajudar as pessoas, e fazia isso no Hospital de Silverland. Muito famosa pelo seu trabalho, Emilia Scroldger acompanhava os pacientes até a morte, parecia que sentia a dor deles. Sua profissão era sua vida.
Nunca tirava folga, mas nesse dia, seu chefe a obrigou a descansar. Esse dia era um dia atípico. Como não tinha ninguém, resolveu passear. Chegando ao centro de Silverland, decidiu passar no Museu de História, onde normalmente passeava na época do colégio. Pela entrada principal, viu no hall, vários objetos expostos, tais como documentos que datavam antes da independência da cidade. Olhava-os com carinho, relembrando sua adolescência.
Emilia passeava pelas salas do museu, entrara na sala com "Objetos deixados pela monarquia no dia de nossa independência". Havia mesas, cadeiras e talheres reais, camas, até uma máquina de escrever que pertencera ao príncipe (infelizmente, esse morreu por infarto antes do dia mencionado). Havia quadros e mais quadros, muitos deles pintados pelos próprios monarcas. Ela seguia a fileira de quadros na parede, analisando um por um. Havia duas pinturas que chamaram sua atenção, intituladas de "A mão do diabo". Em uma, estava desenhada linhas saindo do chão de uma sala e, no final delas, havia uma mão. Na outra, o reflexo da mesma pintura. Observando as duas pinturas simultaneamente, observou que as mãos apontavam para algo entre os dois quadros. Olhou melhor, havia um corredor estreito entre as duas pinturas. Emilia olhou para os lados, ninguém a olhava, e decidiu entrar no corredor.
Caminhava apertada pelas paredes. Não havia mais quadros, o corredor era curvo e já não via a entrada mais. Continuou andando, até ver uma porta. Nela, estava escrito: "O mais valioso bem deixado pelos monarcas: o próprio diabo." Movida pela curiosidade, entrou.
A sala era mal iluminada. Andava tateando as paredes, até que algumas velas foram acesas, sozinhas. Emilia visualizou os castiçais de um metro, e entrou nesse 'corredor'. Ao fim, viu um piano. Começou a rir. "O próprio diabo?", pensou. Olhou bem o piano, lembrou-se de uma música que aprendera na adolescência, "A sinfonia do inferno".
Sentou-se no banco vermelho camurça, pousou suas mãos sobre as teclas e começou sua sombria melodia. Ficou tocando por um tempo. De repente, as demais velas acenderam, o fogo era intenso e alto. Emilia tentou se virar mas não conseguia tirar as mãos do piano. Lentamente, a tampa do piano foi tomando a posição vertical, e a moldura foi exposta. Nela, havia um homem de meia idade em uma cama, em um hospital. Seu estado parecia grave. Na sala, entrou uma enfermeira, segurando uma bandeja com uma seringa e um remédio. Ela, olhando aquele homem, tirou do bolso do jaleco um frasco pequeno, de cor âmbar. Encheu a seringa com seu conteúdo e injetou no soro do paciente. Passou-se alguns segundos, e o homem abriu os olhos. Sua expressão era de dor, agora, seu corpo se contorcia, e falava "meu corpo está queimando, queimando". Poucos minutos de agonia extrema, o homem fecha os olhos, sem nenhuma reação. Sua respiração parou, seu coração parou de bater. A enfermeira sorri maldosamente, esvasia o frasco contendo o remédio e, muda sua expressão: desesperada, vai chamar o doutor.
A cena muda: no mesmo hospital, em uma sala cheia de crianças, cada uma em uma cama, as enfermeiras davam os remédios para cada uma. Ela, responsável pela criança no fundo da sala, chegou quando todas as outras haviam deixado a sala. A criança era linda, seu rosto angelical, não devia ter mais do que 4 anos. Ela tirou do bolso do jaleco uma seringa, e injetou no braço da criança todo o remédio. O que aconteceu não é necessário explicar. A enfermeira sorri maleficamente, muda sua expressão para desespero e chama o médico.
Emilia tocava a melodia, sua respiração estava ofegante. Gritava: "quem está fazendo isso? Como conseguiu essas imagens? Não brinque comigo... eu te mato infeliz." A moldura desaparecera da tampa do piano. Ela começou a rir :"alguém está brincando comigo.. e eu não vou cair nessa". Continuou tocando. As cordas do piano, lentamente sairam, sem ela perceber. Deslizavam pelo chão, envolvendo as pernas dela. Então... as cordas perfuraram suas pernas, entraram em suas veias e seguiam os caminhos dos vasos sanguíneos. Emilia começou a gritar de dor. As cordas agora perfuraram suas mãos, e subiam pelos braços, através de suas veias. As cordas pareciam queimar dentro dela, suas veias estavam queimando de dor.E ela continuava a tocar.
As cordas se encontraram no coração de Emilia e se tornaram vermelhas: sugavam seu sangue. Emilia gritava de dor. Algumas cordas subiram para o pescoço, passando pela jugular. Em seus olhos, via-se a sombra das cordas.
Emilia perdeu o brilho nos olhos. Seu corpo estava seco, ou melhor dizendo, totalmente drenado. Lentamente, as cordas voltavam para o piano. Algumas seguravam a mão de Emilia, e faziam-na tocar o resto da melodia. Quando a música acabou, as cordas soltaram suas mãos e voltaram para dentro do piano. Emilia caiu no chão, sua expressão de dor ainda era visível em seu rosto. Pouco a pouco, foi absorvida pela sala. As velas se apagaram, a tampa do piano fechou, e a sala voltou a ser a sala mal iluminada de sempre.

Douglas Mateus

9.03.2010

O Piano Maldito - Parte I - Jonas Portdant



Jonas Portdant era um homem de meia idade, os cabelos começaram a ficar brancos, a testa começara a franzir naturalmente. Vivia numa casa modesta, de coisas necessárias, nada extravagante. Não significa que era pobre, pelo contrário, tinha de tudo, de tudo o necessário.
Em sua infância, passara muito tempo com a avó, e ela o ensinou a tocar piano. Passavam longas tardes discutindo as notas musicais e tocando as melodias produzidas por aquele belo instrumento. Em sua adolescência, foi servir o exército. Foi creditado como um dos melhores soldados, devido a seus diversos feitios. Não era casado, não tinha filhos, era solteiro e, digamos, sua esposa era a vida. 
Estava de viagem agora, em Silveland, uma cidade famosa pela sua mostra de arte. Passeava pelo museu de música, junto com um grupo de pessoas. Quando o guia os liberou para explorar o museu à vontade, o grupo se dissipou. 
Jonas entrava nas salas, sempre admirando os instrumentos: violinos, violões, saxofones e muitos outros. Entrava em uma sala por uma porta, e saía dela por outra. Nunca voltava, e isso foi o levando sempre a salas diferentes. Passou algumas portas (que eram todas de madeira, mas havia sempre um desenho prata de notas musicais) e o barulho das pessoas havia diminuído, parecia que estava se distanciando delas. Na sala em que estava, observava cuidadosamente uma cítara. Após a análise do objeto, se encaminhou para a outra porta.
Era uma porta diferente, as notas eram douradas, a porta era vermelho camurça e a maçaneta lembrava uma tecla de piano. Curioso, entrou.
A sala era pouco iluminada, mas não reduzia sua beleza. As paredes eram diferentes, pareciam estruturas de Roma. Haviam castiçais, de um metro, na sala. Eram duas filas de castiçais, formando uma espécie de corredor. Ele caminhava, admirando os castiçais, com as velas, até que viu, no final desse 'corredor', um piano.
Lembrando-se de sua infância, a saudade da avó, as tardes tocando piano, olhou para os lados. A sala estava totalmente deserta. "Não há nenhum mal em tocar uma música", pensou, mas o medo de as pessoas ouvirem o som o deteve. Pensou mais um pouco, "Não ouço mais as pessoas, nem os guardas. Não devem conseguir me ouvir também". Pensando isso, sentou-se no banco vermelho camurça, pousou as mãos sobre as teclas do piano, e começou a tocar.
Começou com uma música suave, mas lhe deu vontade de tocar algo melhor. Aos poucos, sua música se aproximava de melodias sombrias, sua vontade de tocar aumentava e não conseguia parar. Seu olhos, estavam vidrados e não tinha mais controle de suas mãos, apenas tocava aquela melodia sombria, de aterrorizar qualquer corpo humano. 
De repente, as velas foram acesas. Todo o 'corredor' estava agora iluminado. Aos poucos, a tampa do piano subia, até ficar na posição vertical. Em sua superfície, começava a aparecer uma moldura, parecendo um quadro na tampa do piano, mas sem nenhuma figura. E Jonas continuava a melodia.
Dentro da moldura, apareceu a figura de um jovem, com farda, um jovem do exército. Ele estava em uma cadeira, amarrado e todo machucado. Aparece outra pessoa na cena. Falava alguma coisa para o jovem, que não respondia, e começou a bater no prisioneiro. Viu aquela cena por uns minutos. O agressor, não satisfeito, pegou um de seus instrumentos e começou a torturar o jovem. Jonas estava espantado, seus olhos estava totalmente abertos e a expressão de medo era clara em seu rosto. Após acabar com o jovem, eis que surge outra cena:
Dois homens estavam em uma guerra, em alguma cidade. Sobreviviam como podiam, roubando alimentos das casas que atacavam. Em uma certa casa, encontraram não apenas comida, mas uma mulher. Um olhou para o outro, via-se o sorriso maligno. Seguraram a mulher, arrancaram-lhe a roupa e se aproveitaram dela, da forma mais selvagem. Enquanto isso, batiam em seu rosto, em seu corpo. Revesaram, até cansarem e matá-la.
As cenas continuavam sendo exibidas, cenas de mesmo porte. A expressão de Jonas agora era de pavor. Suava frio, suas mãos estavam trêmulas e, mesmo assim, continuava tocando a melodia, que combinava com as cenas reproduzidas. "Como? Como?", gagejava, "Como alguém conseguiu esses vídeos? Não havia mais ninguém nos locais, a não ser as pessoas que foram mostradas. Como alguém conseguiu isso?". O pavor era imenso, alguém sabia de sua fase no exército. Pensava a mesma coisa, desesperado. Até que as cenas pararam de ser exibidas...
Jonas conseguiu parar de tocar um pouco. Estava atordoado. A moldura, lentamente, desaparecia da tampa do piano. E ele começou a tocar de novo. Agora, uma música sombria, mas agitada. Ele tentava parar, mas não controlava suas mãos, e não conseguia se levantar. De dentro do piano, saíram as cordas, envolvendo o corpo de Jonas. Braços, pernas, peito, pescoço, rosto, todos envolvidos. As cordas apertavam de modo a expremê-lo. E ele não parava de tocar. 
As cordas pareciam afiadas. Apertavam cada vez mais, e começaram a cortar seu corpo. O sangue escorria, e as cordas cortaram a carne, chegando no osso. Seu rosto estava todo vermelho, seus olhos sangravam e ele gritava de dor, mas não parava de tocar. Até que.. seu corpo foi totalmente dilacerado pelas cordas. Elas cortaram seus ossos, cortando todo o corpo de Jonas. Seus pedaços estava estirados ao chão, numa poça vermelha, que combinava com o vermelho camurça do banco. A melodia acabou, mas suas mãos ainda repousavam sobre as teclas do piano. O sangue delas escorria por entre as teclas, as cordas voltaram para dentro do piano. 
Não havia mancha de sangue no piano, ele havia se alimentado. Lentamente, a tampa do piano fechou e as chamas das velas foram sendo apagadas, duas a duas, até a sala voltar a tímida claridade de antes.

Douglas Mateus

Pessoal, ganhei mais selos da minha amiga Aline. Vejam aqui.