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10.11.2010

SOU O BRINQUEDO EM SUAS MÃOS



Veja esse lugar: escuro, frio. Não esperava uma coisa dessas de você. É aqui que guarda tudo? Mas está vazio. Não interessa. Olho para os lados e vejo uma porta cinza, descascada. Coloco a mão na maçaneta, giro-a e abro a porta lentamente, deixando um ruído deprimente cortar o silêncio desse lugar. Não sei porque, mas gosto desse lugar.
Vejo um corredor. Caminho, algo fez barulho, parecendo se quebrar. Pisei em uma folha seca. Aproveito para observar o chão: o cimento estava coberto de folhas secas. Como essas folhas foram parar aqui, se não existe árvore nesse lugar? Na verdade, aqui não existe vida. Continuo seguindo em frente, passando pelas paredes cinzas e mortas. No fim do corredor, duas passagens. Por essa ou por aquela? Vamos por essa.
Durante minha caminhada encontro várias passagens. Começo a rir sozinho. Um labirinto? Quanto mais vai me fazer andar? Por toda a eternidade? É assim que me ama?
Entro em passagens aleatórias, sem me preocupar por onde vou ou se estou andando em círculos. Estou cansado desse jogo, mas não consigo ficar parado. Apenas ando, tentando te encontrar. Odeio o jeito que brinca comigo. O suor escorre pelo meu rosto, ando tateando as paredes. Espere, acho que vejo algo. Estreito as pálpebras para enxergar melhor. Havia uma luz vermelha no meio do corredor. Estranho, havia algo de cor nesse mundo em que me trancou. Do chão, surge uma pessoa, com um capuz vermelho sobre a cabeça e uma foice nas mãos. Acho que era a morte. Como a morte pode ter tanta vida no meio da própria morte? Ela vinha em minha direção, segurando firmemente sua foice. Ela iria me matar... mas não posso deixar isso acontecer. Ainda não te encontrei. Não posso morrer agora.
Começo a correr desesperado, entrando por qualquer passagem. Ela vinha correndo atrás de mim. Maldita! Corres rápido. Como vou me livrar dela nesse labirinto? Nesse labirinto...? Para onde foi o labirinto? Só há uma passagem no final de cada corredor. É como se eu seguisse em linha reta. Fechei os olhos por um instante, eu sabia que estava correndo exatamente para onde ela queria. Mas não podia deixá-la me pegar. Corri até o final do caminho. Uma porta cinza descascada. Meti a mão na porta e vi:
Voltei para o lugar de onde comecei. Uma sala cinza, vazia, com o chão, agora, coberto de folhas secas. Não havia saídas. Olhei para a porta. Lentamente, a morte entrava na sala. Ela se aproximou de mim, ficamos cara a cara. Não sei se posso dizer cara a cara, melhor cabeça a cabeça. Meu coração batia forte, meu suor, agora saía frio, e se misturava com o suor quente que havia no corpo. Então, é assim? Vou morrer sem te olhar uma última vez. Sem te amar uma última vez.
Ela, lentamente, tirou o capuz. Pude ver seu rosto. Sim, pude ver SEU rosto. Era você o tempo todo. Você que vive nesse mundo. Você é a única que tem vida aqui. Sim, agora reparei em mim, não tenho cor, também sou todo cinza. Meu medo acabou, estar com você me consola. Sorrio, mas você não retribui. Na verdade, sua expressão é maligna. Pensei em te abraçar e te beijar, como se isso fosse apagar o susto que me deu, mas continua segurando a foice. Vi tudo em seu rosto: estava decidida.  É isso o que faz com o que ama? Brinca e joga fora? Agora entendo porque a sala está vazia. Você mata tudo o que guarda.
Levanta a foice, seria um golpe só. Pensei que ficaria como antes, mas não. Agora não tenho medo. Já te encontrei, não tenho medo do que vai fazer comigo. Me mate agora, mas não hesite. Me tire logo do seu mundo, já percebi que não faço parte dele. Apesar de tudo, você faz parte do meu. Mas isso não interessa, porque o meu está prestes a acabar. E esse é o seu mundo, frio e sem vida. É aqui que você acaba com tudo. Aqui,  bem no interior do seu coração. E ela fez da foice, seu pincel; do chão, a tela; e de meu sangue, a tinta. E naquele mosaico de folhas secas, eu viro a pintura sem vida da tela morta.


Douglas Mateus

Galera, ganhei um quadro de selos da minha amiga Dielma.
Confiram!

20 comentários:

  1. R.I.P. - Acho que se trata de um ceifador... (jura?)

    Parabéns cara, fiquei curioso até a hora de chegar ao final, claro que a imagem já dizia tudo.

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  2. Nossa, profundo demais. Mergulhei na intensidade desse plano de fundo!

    Abraço! ;)

    http://anpulheta.blogspot.com

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  3. Caraca velho. Denso, mas o texo ainda sim é sutil... adorei teu jogo de palavras... Adoro encontrar blogs com textos nesse genero... Vou seguir. [patícia]

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  4. Olá garoto, como vai?
    primeiro quero agradecer seu comentário sobre Pinback, cada vez ficam mais raros comentários bem feitos como o seu! ;)

    quanto ao texto, sensacional!
    adoro o detalhismo de seu texto, e sua capacidade de nos colocar exatamente no lugar da personagem. me identifico com seus textos pela densidade deles, já escrevi alguns textos "pesados" assim, talvez não com a mesma temática da morte, mas enfim, de uma forma ou de outra, gosto desse tipo de identificação!
    parabéns pelo texto, volte sempre ao meu blog!
    abraços!!!

    http://songsweetsong.blogspot.com/

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  5. Psicodélico.
    Tá valendo.

    Abraço

    http://williamkusdra.blogspot.com/

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  6. Sem sombra de dúvidas, muito bom o texto! A única certeza que temos da vida!

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  7. a pintura junto com a leitura deu um sensação de ler muito bom...texto muito bom...

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  8. Dentro de uma pessoa, aquela que a gente menos imagina, pode haver vida e ,por mais que as ações dessa pessoa nos assustem, ela pode nos amar. Mas chega um dia que essa pessoa vai encontrar outra pessoa e vai nos deixar, talvez nós tenhamos dado algum motivo, mas vai saber!

    (Andei e corri nesse labirinto, até vi a morte!)

    :)

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  9. Caraca você arrazou! Juro que no começo achei meio parado, mas depois você embalou em um movimento maravilhoso. Não sei se estou certo, mas usou de metáforas para descrever sua ida ao centro do coração de uma pessoa. Você mostrou como este coração cruel te castiga. Eu curti demais.

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  10. Gentee, que texto maravilhoso. Eu vi cada passo da história, cada cena. A riqueza de detalhes é fantástica!
    www.nicellealmeida.blogspot.com

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  11. Obscuro e claustrofóbico... gostei!

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  12. Muito bom o texto, Mateus. Muito bem detalhado, parabéns! E parabéns pelos selos ;)

    []'s
    blog.avoado.com

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  13. Cara!

    Perfeito! Metafórico e poético ao mesmo tempo!

    Passarei mais vezes aqui!

    Parabéns pelo blog!

    Abraço!
    Leandro Hellsing

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  14. Lindo, Mateus! Angustiante, mas lindo. Essa vontade de se manter vivo dentro de alguém, a ansiedade pelo sorriso e pelo beijo q não acontece, a frustração do amor que acabou no outro, mas q de certa forma nos mantém vivo...
    e no final, a arrogância de todos os amantes, de que apesar de morto, ainda deixou sua presença marcante dentro do outro. Arrasou. Bjo.

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  15. Maravilhoso texto... Imaginei cada cena que vc descreveu... desde a porta descascada do início, até a tela de folhas secas e sangue final... Parabéns... bjão!

    Se quiser rir um pouquinho, passa lá:
    www.brincandodefazerpiada.blogspot.com

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  16. Muito perfeito esse texto parabens mesmo ..parabens pelo blos ..

    PS: a parte visual do blog é muito legal tb ..

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  17. Excelente, dá pra escrever um livro ou fazer filme.A cena é muito real!

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  18. Tem gosto de texto intimista... Já me conquista por aí! Achei algumas descrições soberbas... Me fazendo provar do exato peso do sentir...

    Adorei!

    ;D

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  19. Parabén pelo texto.Gosto desse tipo de texto, na verdade escrevo-os tambem.abraço

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